segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Os dentes, as crises e de novo: o choro

Pinterest. @Marlene Dellazeri


Mais uma vez o choro volta a ser assunto no meu maternar (já falei disso aqui e aqui). Depois de entender e aceitar o choro do desmame noturno achei que já tinha aprendido a importância desse ato para a expressão das dificuldades e frustações de Benj. Ledo engano, essa sombra é bem mais complexa do que imaginei e ainda sinto que tem muito a desvendar sobre lágrimas no meu peito.

Tudo começou (no plano consciente) com uma cárie no dente do meu pequeno e a necessidade de melhorar MUITO a escovação (menasmain feelings). A escovação se tornou uma batalha diária, e tripla: ao acordar, depois do almoço e para dormir. Três rounds duros com uma criança que chorava como se estivesse sendo torturado e uma mãe frustrada por não conseguir fazer o filho entender a importância do hábito.

De um lado o choro "inaceitável", do outro a raiva e o desespero.Duas bombas explodindo juntas diariamente.

Então, em um momento de desabafo meu regado a lágrimas tão reprimidas. Percebi o quanto o choro aliviou a carga. Era como se aquela água salgada limpasse as dificuldades dentro de mim. Com elas iam meus medos, minha negatividade, minha vontade de desistir. As lágrimas abriam espaço no peito para a esperança, para vontade de tentar de novo.

Mais tarde, no mesmo dia, uma amiga postou esse texto no Facebook (Obrigada, Vânia!). E foi quando as fichas começaram a cair.

Benjamin está dando milhares de sinais diários de que precisa desabafar: a irritação, o choro fácil, chama o pai várias vezes, chora quando faço algo e mais ainda quando faço o contrário de algo. E mama, mama e mama. Pede mamá constantemente.

Quantas vezes nos última  dias fiz algo só para não ouvir seu choro? Quantas vezes dei de mamar contra vontade só pra ter silêncio? Quantos vezes dei colo e abraço para que ele NÃO CHORASSE? Quantas vezes quis calar e estancar suas lágrimas?

Nós nos mudamos de cidade recentemente, ele só vê o pai alguns dias da semana, está ficando longe de mim durante a manhã, falando e entendendo mais e mais, ficando cada vez mais independentemente e fazendo mais coisas sozinho... Sem contar na minha saudade do marido, nas minhas dificuldades com a mudança, nos problemas que não estou conseguindo lidar e que acabam alcançando ele também.Pois é, muito motivo para chorar nesse corpinho que completa 2 anos depois de amanhã.

E eu tentando parar o choro. Estancar as lágrimas. Quando ele só precisava chorar.

E hoje eu deixei que chorasse, acolhi o choro o melhor que pude: hora da janta e ele queria mamar, respondi que poderia depois que eu terminasse de comer. Chorou, chorou e eu fiquei com ele, fazendo carinho, olhando em seus olhos e aceitando seu choro. Mentalizando tudo que gostaria de dizer. Em alguns segundos o choro cessou, ele voltou a comer bem (já tem dias que troca o peito pela comida) e o senti mais tranquilo. Mais leve.

Bem vindo choro. Que eu saiba te aceitar e te receber. Seja do Benj, seja o meu, seja o de qualquer um.

Nota: ler novamente sobre o pedido deslocado que fala a Laura Gutman.
  

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Matrix

Quando eu vi Matrix achei que não tinha nada entender nele. Um conceito simples: pessoas aprisionadas em suas próprias mentes controladas por uma máquina que criava sua própria realidade.
Mas a cada dia depois do meu parto eu vejo o que tinha para ser entendido. A Matrix é real, ela existe e estamos aprisionados nela. Esqueçam os efeitos especiais e a parte emocionante do filme. Não há pílulas que nós façam acordar, só informação.
Comecemos do começo. A mulher engravida, sua vida vai mudar por completo, a começar pelo seu corpo. Há muitas coisas para se pensar, tornar-se mãe é um dos maiores marcos na vida de uma mulher. Mas ela SÓ se preocupa com a decoração do quarto do bebê, com o enxoval e o chá de bebê.
Ela quer normal, mas seja o que deus quiser. Cesárea, claro. Mais lucrativa, prática e limpa. Com hora marcada a mãe pode fazer cabelo e unha, talvez maquiagem. Médico não precisa acordar de madrugada nem perde nenhum compromisso. O bebê tem mais chances de usar a super UTI neonatal que custou milhões, também tem mais possibilidades de adoecer e tomar coquetéis de remédios. Doenças respiratórias crônicas, refluxo... O bebê começa a se tornar um cliente perfeito para a indústria farmacêutica.
A mãe pode ter depressão pós parto, sem os hormônios do trabalho de parto o vínculo com o filho fica mais difícil e a amamentação pode ter complicações. Ótimo! Paciente para psiquiatras, e bora enriquecer as empresas do leite artificial. Leite artificial que traz desconforto para o bebê, não tem todas as vitaminas necessárias, não fortalece a imunidade. Tudo bem, mais remédios para as doenças que virão e vitaminas sintéticas a cada consulta mensal.
E ai o bebê começa a querer comer (ou alguém decide que está na hora, o que importa se ele quer ou não?). Comece com uma bolacha maizena, e qualquer outro industrializado. Danoninho que delícia, vale por um bifinho! Yakult que é saudável. Papinha da Nestlé porque cozinhar dá muito trabalho. E assim vamos entupindo bebês com falsos alimentos, feitos com ingredientes que nunca ouvimos falar, com realçadores de sabor que viciam o paladar e garantem que aquela criança não gostará de legumes. Criança essa já com a imunidade em baixa pela cesárea, pelo leite artificial e pelos remédios (antibiótico) que já tomou. 
Mesmo assim ela é ativa! Como gosta de brincar e pular, ah, mas a mãe/cuidador tem tanto para fazer. "fica quietinha vendo tv, fica." Nas primeiras vezes não funciona, mas há tanta insistência que, sem opção, a criança se resigna e se aquieta. Fica quietinha vendo tv. O corpo ativo, vivo, vai dando lugar a apatia. Vê tv comendo doces ou qualquer comida que traga um mínimo de prazer.
Mas isso vai mudar! Vai chegando a hora da escola, agora sim ela vai ter atividades que auxiliam no desenvolvimento, muitos amiguinhos para brincar e gastar energia. Quanta coisa pra aprender.
Chega na escola e se senta na cadeira. Não pode falar com o amiguinho agora! Professor lá na frente fala e fala, despeja conteúdo. E o corpinho cada vez mais apático, energia sendo acumulada, mente se enchendo de inutilidades.
Brinca 20 minutos por dia, na hora do recreio. Isso se desistir do bolinho recheado que veio na lancheira. 
E a criança vai crescendo. O corpo cada dia mais atrofiado. Na adolescência reclamam que é preguiçosa. "Sai da frente dessa televisão!".
Nessa fase já entendeu que o corpo é só embalagem. O que importa é mente e alma. Para que perder tempo se exercitando? Para que comer bem? Já não sabe ouvir o corpo. Sono? Espera acabar a maratona da série preferida. Sede? Xixi? Espera o comercial.